Um esqueleto quase completo do mais novo hominídeo |
É por
isso que cientistas vão à loucura quando um esqueleto completo finalmente é
encontrado. E podem morrer do coração quando um sítio arqueológico é generoso e
preserva para a eternidade os restos mortais de 15 indivíduos.
Foi isso que aconteceu a 50 km de Joanesburgo, maior cidade da África do Sul, em 2015. Um conjunto de cavernas com centenas de quilômetros quadrados de área, repleto de salas e câmaras, escondia 1500 ossos e dentes aleatórios de uma nova espécie chamada Homo naledi – membro, até então desconhecido, da árvore genealógica do próprio ser humano.
Nessa
semana, saiu "o balanço final" da exploração do local. O
inventário inclui 130 ossos além dos que já tinham sido analisados. Entre eles,
o primeiro crânio de Homo naledi já encontrado. Seu dono foi batizado de “Neo”,
pesava 4o kg e tinha 1,4 m de altura.
Além de
Neo, 17 indivíduos, mais ou menos completos, puderam ser parcialmente
reconstituídos – e estão revelando detalhes surpreendentes sobre como foi a
convivência dos primeiros Homo sapiens com hominídeos que hoje estão
extintos.
A
primeira surpresa foi a idade desses fósseis, que têm entre 335 mil e 236 mil
anos cada um. O formato dos ossos das pernas, pés, mãos e punhos já eram quase
idênticos aos dos seres humanos. Mas eles têm outras características que
parecem evolutivamente “atrasadas”: um cérebro pequeno e dedos bem preparados
para subir em árvores. Isso quer dizer que, no período histórico em que os
Homonaledis e os Homo sapiens foram contemporâneos, há uns 330 mil anos, nosso
cérebro já estava em um estágio evolutivo bem mais avançado que o deles.
Esse fato
ajuda a ilustrar uma das maiores confusões quando se trata de evolução. O
homem não veio do macaco, porque as espécies não se transformam uma na
outra em fila indiana.
De acordo
com Jessica Thompson, arqueóloga da Universidade Emory entrevistada
pelo jornal Britânico The Guardian , a descoberta destaca que, em vez de
uma linha sucessória, a evolução é um processo cheio de ramificações, a
depender dos desafios que cada espécie enfrenta em diferentes habitats.
“Não
começa com um macaco, que depois vira um chimpanzé, que depois se torna algo
próximo de um ser humano e aí, do nada, surgem as pessoas. É muito mais
complicado do que isso”. É só por isso que duas espécies aparentadas, vivendo
no mesmo período, podem ter características semelhantes e profundamente
diferentes ao mesmo tempo.
A segunda
surpresa do estudo é o estado de preservação dos ossos, que são – nas palavras
de Lee Berger, pesquisador da Universidade de Witwatersrand – “as coisas
mortas mais saudáveis que você já viu”. O pesquisador, que liderou a equipe
responsável pela descoberta, tem bons motivos para acreditar que a caverna está
cheia de ossos justamente por ser um antigo local de sepultamento, e que para
usá-lo dessa forma, o Homo naledi já precisaria dominar o fogo. Só assim seria
possível iluminar o caminho até o subterrâneo.
“A
descoberta de uma segunda câmara [ chamada Lesedi, onde Neo foi encontrado ]
corrobora a ideia de que o Homo naledi levava seus mortos às câmaras
subterrâneas de propósito”, afirmou ele à imprensa. “Não dá para explicar isso
de uma forma que não seja eles entrando lá com os corpos nas costas.”
A
terceira é que, ao que tudo indica, eles conviveram com seres humanos já muito
parecidos conosco. Com eles se reproduziram e por eles foram exterminados – um
destino parecido, segundo algumas teorias, com o dos Neandertais. O naledi ,
portanto, é uma peça inusitada no quebra-cabeça da evolução humana. Meio
arcaico, meio moderno, é difícil saber quais pressões evolutivas geraram sua
anatomia. Quando chegarmos a essas respostas, porém, elas jogarão uma luz
inédita sobre nós mesmos.
Homo naledi pode ter convivido com ancestrais humanos
Um
processo rigoroso de datação mostrou que o Homo naledi viveu entre 236 mil e
335 mil anos atrás, um período extremamente recente em termos paleontológicos,
afirmou o cientista Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand, em
Johanesburgo.
"É
a primeira vez que se demonstra que outra espécie de hominídeo viveu junto aos
primeiros humanos na África", afirma um comunicado dos pesquisadores.
"É algo surpreendente", disse Berger, sobre a época em que viveu a
espécie. "Pensávamos que poderia ter sido há milhões de anos."
Em 2015, quando a descoberta foi anunciada, Berger foi muito criticado por paleontólogos de todo o mundo por apresentar a descoberta do Homo naledi sem ter feito a datação dos fósseis encontrados.
O Homo
naledi mistura características humanas recentes e primitivas, como um cérebro
pequeno, o que levou cientistas a especular que ele fosse um dos exemplares
mais antigos do gênero Homo.
"Isso
[o período em que a espécie viveu] é surpreendentemente recente para uma
espécie que ainda mostra características primitivas, encontradas em fósseis com
cerca de 2 milhões de anos, como o tamanho pequeno do cérebro, os dedos curvos
e os formatos dos ombros, tronco e articulação dos quadris", comentou o
cientista Chris Stringer, do Museus de História Natural de Londres, em
declarações à agência de notícias AP.
"Já
pulso, mãos, pernas e pés parecem mais com os dos Neandertais e humanos
modernos, e os dentes são relativamente pequenos e simples", completou o
especialista.
A revelação sobre a datação dos fósseis de Homo naledi vem acompanhada do descobrimento dos restos de três espécimes dessa classe de hominídeos, uma criança e dois adultos, um dos quais com o crânio num estado de conservação muito bom.
Os
novos fósseis foram encontrados numa cavidade adjacente à que abrigava os
primeiros achados do Homo naledi, o que leva os cientistas a pensar que essa
espécie guardava seus mortos numa parte separada das cavernas em que vivia.
Naledi significa estrela na língua tsuana.
Humanos primitivos coexistiram com espécie semelhante na África 300 mil anos atrás.